Após terminar um relacionamento que durou pouco mais de um ano, Carolina Nunes, de 26 anos, passou a ser ameaçada constantemente pelo ex-companheiro e chegou a ser atropelada. A jovem faz parte das 217 mulheres que registraram queixa junto às forças de segurança após serem vítimas de tentativa de feminicídio entre janeiro e outubro deste ano. (Foto: Carolina Nunes teve o salão de beleza, localizado em BH, destruído pelo ex-companheiro)
O crime teve alta de 56% em Minas Gerais quando comparado com o número do mesmo período do ano anterior —quando 139 registros foram feitos. Os dados são da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp). Especialistas alertam para a necessidade de o Estado investir na prevenção e no acolhimento às vítimas. Em nota, o Governo de Minas Gerais afirmou que “desenvolve e estimula diversas políticas de combate à violência contra a mulher em todo o estado, em busca de prestar auxílio necessário às vítimas, atuar na prevenção de casos enquadrados na Lei Maria da Penha e, sobretudo, impedir as ocorrências de feminicídio” (Leia nota na íntegra abaixo).
A escalada de violência contra as mulheres é comprovada pelos números: em média, cinco mulheres foram vitimadas por semana e 22 por mês em toda Minas Gerais, no período mencionado acima. Com 28 ocorrências registradas, março foi o mês mais violento para este tipo de crime entre janeiro e outubro.
Carolina conta que o relacionamento que manteve com aquele que, um dia, tentaria matá-la foi marcado por agressões. “Assim que terminei, ele passou a me infernizar. Eram mensagens ameaçadoras, um atropelamento que resultou em fraturas na minha perna e, mais recentemente, ele veio até o meu salão, no bairro Padre Eustáquio, em Belo Horizonte, e o destruiu.”
O último episódio relatado por Carolina aconteceu na madrugada de 9 de dezembro, após o ex-companheiro da jovem encontrá-la em uma balada. “Estava indo embora de moto quando ele tentou me derrubar. Acabei retornando para o local da festa e fui defendida pelas pessoas que lá estavam. Só que ele virou para mim e disse que ia quebrar o meu salão. A ameaça se concretizou. Ele destruiu a porta de metal e de vidro, o ar-condicionado e outros materiais”, conta.
Se não bastasse o trauma psicológico sofrido, agora Carolina encontra dificuldades para trabalhar e, assim, obter renda. “Abri o salão em agosto e, justo nesta época do ano, quando há muitos atendimentos, ele está todo destruído. Estou retomando do jeito que é possível para atender as clientes. Já chorei demais. Fica o prejuízo financeiro e também o afastamento de algumas clientes que estão com medo de voltar.”
O agressor de Carolina, conforme ela relata, foi preso, mas acabou sendo liberado após o pagamento de fiança. A jovem confessa que o sentimento por passar por todo esse processo de violência é de “ódio” e faz um alerta às outras mulheres: “Passei por muita coisa por não ter denunciado antes. Mulheres, procurem a polícia e façam a ocorrência. Acredito que tudo seria diferente se tivesse buscado ajuda no primeiro episódio de violência.”
‘Prevenção é o caminho’
A advogada criminalista e especialista em violência contra a mulher Isabela Pedersoli afirma que o investimento em prevenção se faz necessário para tentar reverter o cenário. “Atualmente, investe-se pouco. Vemos poucas delegacias especializadas em atendimento à mulher sendo construídas, por exemplo. É fato que tivemos o endurecimento da pena para o feminicídio [para até 40 anos de prisão], mas isso, por si só, não resolve. Endurecer penas e prender mais não é a solução.”
Isabela afirma que, quanto mais o Estado tiver espaços e profissionais capacitados para receber e acolher as demandas das vítimas, maior será a chance de melhora. “Vemos poucos investimentos em estrutura para amparar, acolher, processar e julgar os criminosos. Sem falar na educação. A sociedade ainda acredita que as mulheres são meros objetos de pertencimento masculino. Precisamos de uma mudança cultural, e isso se faz com educação.”
A especialista ainda destaca a importância de combater assédio, importunação e violência psicológica, pois esses são os crimes que antecedem o feminicídio. “Tudo acontece de maneira escalonada: começa com ofensas, evolui para a violência física e depois chegamos ao feminicídio. É uma tragédia anunciada, e precisamos informar às mulheres os riscos que elas correm. Mas é válido lembrar que a sociedade como um todo deve agir se souber de algum episódio de violência”, complementa.
Acompanhamento para as vítimas
Os traumas deixados após sofrer uma tentativa de feminicídio são para a vida toda. Por conta disso, a realização de um acompanhamento médico se faz necessária, conforme destaca o psicólogo Thales Coutinho. “O trauma se repete como um looping por bastante tempo. As lembranças do momento vão se repetindo e causam ansiedade. Temos terapias focadas em como lidar com essas demandas, mas muitas vezes as vítimas, por vergonha ou algo do tipo, não fazem o tratamento.”
Apesar de muitos agressores serem do convívio das vítimas — companheiros, ex-parceiros ou familiares — Coutinho alerta que os relacionamentos abusivos são uma minoria quando comparados à totalidade da sociedade. “Choca demais ver o aumento do crime, mas temos que lembrar que a maior parte dos relacionamentos é saudável. Digo isso porque muitas vítimas acabam evitando novos relacionamentos e ficando ‘desconfiadas’ de que todos os relacionamentos serão iguais ao que viveram e sofreram. Por isso, ressaltamos a importância do tratamento”, concluiu.
Posicionamento
Em nota, o governo de Minas afirmou que faz diversas ações para combater o crime. Leia nota na íntegra abaixo
O Governo de Minas Gerais desenvolve e estimula diversas políticas de combate à violência contra a mulher em todo o estado, em busca de prestar auxílio necessário às vítimas, atuar na prevenção de casos enquadrados na Lei Maria da Penha e, sobretudo, impedir as ocorrências de feminicídio. As ações no âmbito da administração pública estadual são permanentes e integradas entre diversos órgãos e instituições.
Os esforços integrados do Governo de Minas e das forças de Segurança para redução da violência contra a mulher renderam importantes resultados em 2024. O número de vítimas de feminicídio consumado caiu 22,8% em Minas Gerais, de janeiro a outubro deste ano, na comparação com o mesmo período de 2023 (de 153 para 118 vítimas). Os dados também são menores que os do mesmo período de 2022, quando 129 mulheres perderam suas vidas. Minas Gerais está no terceiro ano consecutivo de redução dos números de feminicídio.
A Polícia Civil de Minas já indiciou quase 27,7 mil pessoas pela prática de crimes de violência contra a mulher no período de janeiro a novembro de 2024. Já visando à proteção das vítimas, foram formalizados 58,2 mil pedidos de medidas protetivas à Justiça, o que representa uma média de 5,3 mil solicitações por mês.
Por meio da Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG), estão em pleno funcionamento as 70 Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAM), tanto no interior, quanto na capital mineira, para suporte às mulheres vítimas de violência, incluindo casos de importunação ofensiva e violência doméstica e sexual. Em Belo Horizonte, o atendimento da DEAM ocorre em regime de plantão ininterrupto, isto é, 24 horas por dia, sete dias por semana. Nas demais localidades, as ocorrências de violência doméstica e familiar contra a mulher denunciadas fora do horário de expediente não ficam sem atendimento, sendo encaminhadas para as delegacias de plantão, que têm funcionamento ininterrupto.
Além disso, na capital, a PCMG dispõe da “Casa da Mulher Mineira”, um espaço ainda mais acolhedor, com atendimento multidisciplinar nas áreas jurídica, psicológica e de assistência social. Na Casa existe ainda o “Espaço Reviver”, que objetiva o resgate da autoestima da mulher vítima, fornecendo roupas, sapatos, material de higiene, acessórios, etc., tendo em vista que, por vezes, a vítima necessita fugir do agressor e não consegue sequer recolher os seus pertences.
No interior do estado, as DEAMs oferecem atendimento em regime de expediente, ou seja, de segunda à sexta-feira, pela manhã e tarde. As ocorrências registradas no período noturno e nos finais de semana são direcionadas às Delegacias de Plantão, cujos policiais também seguem o “Guia de Atendimento às Mulheres Vítimas de Violência Doméstica e Familiar nas Unidades da Polícia Civil de Minas Gerais”, um protocolo institucional que disciplina o atendimento qualificado, desde o acolhimento inicial até o encaminhamento para a rede de proteção, sendo todas as vítimas devidamente atendidas. A PCMG desenvolve, de maneira constante, estudos e mapeamentos de suas unidades, com o objetivo de identificar a necessidade de reformas, adequações, novas sedes e até mesmo a criação novas delegacias, dentre as quais as Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher.
Também são disponibilizadas cartilhas educativas no site oficial da PCMG, que tratam sobre a violência contra a mulher e como interromper o ciclo de agressões que pode resultar em feminicídio. Dentre os temas tratados estão Mitos ou Verdades sobre a Violência Doméstica, Medida Protetiva – O compromisso de proteger a mulher em situação de vulnerabilidade, e a campanha Agosto Lilás 2024. Além disso, segue post no instagram sobre a campanha 21 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência Contra a Mulher, realizada durante todo o último mês de novembro, pela PCMG em parceria com a Sedese, que realizou ações por todo o estado – https://www.instagram.com/reel/DCumS3eS9cp/?igsh=aHM3Znc0ZzVoc3pv
Ações de combate à violência contra a mulher
Por meio da Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG), estão em pleno funcionamento as 70 Delegacias de Atendimento à Mulher, tanto no interior, quanto na capital mineira, para suporte às mulheres vítimas de violência, incluindo casos de importunação ofensiva e violência doméstica e sexual. A unidade de Belo Horizonte conta com atendimento ininterrupto à mulher. Nas demais localidades, as ocorrências de violência doméstica e familiar contra a mulher denunciadas fora do horário de expediente não ficam sem atendimento, sendo encaminhadas para as delegacias de plantão, que têm funcionamento ininterrupto.
Em Belo Horizonte, a Delegacia de Plantão Especializada em Atendimento à Mulher funciona junto à Casa da Mulher Mineira, abarcando uma série de ações preventivas e emergenciais, como a solicitação de medidas protetivas de urgência, que incluem o acompanhamento policial até a residência da vítima para retirada de seus pertences em segurança (roupas, documentos, medicamentos etc); o recebimento da guia de exame de corpo de delito; a realização da representação criminal para a devida responsabilização do agressor; o recebimento e encaminhamento para casas abrigo, serviços de atendimento psicossocial e orientação jurídica na Defensoria Pública, entre outros.
Todo o trabalho é desenvolvido em ambiente adequado e com privacidade para uma escuta qualificada e humanizada das vítimas. Dessa forma, a Casa da Mulher Mineira visa apoiar o trabalho desenvolvido pelas delegacias especializadas no atendimento à mulher existentes em Minas Gerais, sendo quatro delas em Belo Horizonte.
Mais detalhes estão disponíveis neste link: https://www.policiacivil.mg.gov.br/site-pc/noticia/exibir?id=3258224&=PCMG-inaugura-Casa-da-Mulher-Mineira.
Outra medida da PCMG é a expansão para todos os 853 municípios mineiros do projeto “Chame a Frida”. Essa ferramenta consiste em um chatbot, que utiliza o aplicativo de mensagens instantâneas WhatsApp, para atender de forma imediata às solicitações de vítimas de violência por meio de mensagens pré-programadas e do atendimento humanizado de servidores da Polícia Civil.
Fonte: O Tempo
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