Fonte: O Tempo – Foto: Freepik
A redução da cobertura vacinal contra coqueluche já se reflete em perdas de vidas no Brasil. Depois de quatro anos sem registrar óbitos pela doença, Minas Gerais acaba de confirmar a morte de um bebê, de apenas dois meses, acometido pela enfermidade. Essa é a segunda morte por coqueluche registrada neste ano no país, sendo a primeira no Paraná. A alta dos casos preocupa e desafia as autoridades de saúde em um momento em que uma das vacinas, apontadas como principal arma contra a doença respiratória, está em falta nos postos de saúde mineiros. Para especialistas, a dificuldade de chegar a um diagnóstico pode estar “escondendo” um cenário epidemiológico ainda pior.
A morte por coqueluche confirmada pela Secretaria de Estado de Saúde nessa sexta-feira (30), aconteceu no dia 19 de julho, em Poços de Caldas, no Sul de Minas. A última vez que a doença havia tirado a vida de alguém em Minas Gerais foi em 2019, com três óbitos registrados. Ainda segundo a SES-MG, o número de casos confirmados no Estado saltou de 14, em todo 2023, para 121 nos primeiros meses deste ano. “Essa é uma doença prevenível por vacinação disponível no SUS e incluída no Programa Nacional de Imunizações (PNI). Uma população imunizada dificilmente vai registrar morte como aconteceu em Poços de Caldas e, por isso, essa perda é enorme. O aumento de casos já é uma resposta de uma queda grave na cobertura vacinal”, avalia o infectologista Leandro Curi.
Segundo o Ministério da Saúde, em todo o país foram confirmados 608 casos até o dia 26 de julho deste ano. O número é mais do que o dobro dos 216 diagnosticados em 2023. “No Brasil, o controle da coqueluche é realizado por meio da vacinação de rotina das crianças. Contudo, desde 2016, o Brasil estava registrando queda nas coberturas vacinais, cenário revertido a partir de 2023”, justifica, em nota, o governo federal.
O MS reforça ainda a importância de “manter as crianças vacinadas conforme recomendações do calendário nacional de vacinação” e pede atenção por parte das gestantes que devem receber uma dose da vacina DTpa, após a 20ª semana da gestação. Caso não se vacinem durante o período gestacional, a dose pode ser recebida no puerpério até 45 dias pós-parto.
Cobertura vacinal em Minas Gerais está abaixo da meta
Em Minas, segundo a SES-MG, a cobertura vacinal está abaixo da meta dos 95% da população. A cobertura da Vacina Pentavalente (que imuniza contra difteria, tétano, coqueluche, Haemophilus influenzae do tipo b e hepatite B), é de 83,50%. Já a cobertura da Vacina tríplice bacteriana (DTP), que imuniza contra a difteria, tétano e coqueluche, é de 83,73%.
Em nota, a pasta explicou que “a vacina tríplice bacteriana (DTP) está com estoque indisponível devido a sua falta no Ministério da Saúde (MS). O MS não envia vacina tetravalente para o Estado de Minas Gerais. Em relação à vacina pentavalente, o estoque está regular, com 202.283 doses disponíveis”.
O Ministério da Saúde não se manifestou quanto aos estoques do imunizante, mas a orientação nacional é de ministrar três doses com a pentavalente (DTP+Hib+Hepatite B), um reforço aos 15 meses e um segundo reforço aos 4 anos com a tríplice bacteriana (DTP).
Doença respiratória é facilmente transmitida e pode estar subnotificada
A principal ameaça com relação ao coqueluche está na transmissão por gotículas de saliva, como acontece com a covid, por exemplo. Segundo o infectologista Leandro Curi, a doença, mais nociva aos bebês e crianças, pode se manifestar de forma assintomática nos adultos e ser facilmente confundida com outras enfermidades, como a pneumonia. “As complicações de saúde por coqueluche podem estar associadas à demora no diagnóstico. O paciente, quando chega ao consultório, reclama de tosse e dificuldade de respirar, sintomas muito parecidos com pneumonia ou qualquer outra doença respiratória”, explica.
O médico alerta para a sazonalidade da coqueluche. Segundo ele, o período do inverno, somado ao tempo seco, é propício para a transmissão da doença. Leandro Curi analisa que há possibilidade dos casos estarem subnotificados. “Devemos ter sim uma subnotificação por coqueluche. Os familiares deixaram de estar familiarizados com a doença, assim como as equipes de saúde. Essa tosse crônica se confunde com alergias, covid, influenza, e o diagnóstico errado causa subnotificação. Podemos ter muito mais casos entre nós do que imaginamos”, alerta Curi.
Devido ao perfil de transmissão da coqueluche, a vigilância em saúde precisa afastar os casos positivos do convívio social e acompanhar cada novo registro. “É um trabalho para a vigilância epidemiológica avaliar toda a corrente de transmissão dos casos notificados. É um surto em crescimento? Isso precisa ser avaliado”, pondera o infectologista.
Coqueluche avança no mundo
O risco de avanço da doença não é uma surpresa para as autoridades de saúde. Diante do aumento de casos de coqueluche, principalmente na Europa e na Ásia, o Ministério da Saúde divulgou nota técnica recentemente alertando para o risco de surto e orientando a população a se vacinar.
O material alertava para o aumento de casos de coqueluche em pelo menos 17 países da União Europeia, acompanhados pelo European Centre for Disease Prevention and Control (ECDC), sediado na Suécia. O Boletim Epidemiológico ECDC, publicado em maio, registrou 32 mil casos na União Europeia de janeiro a março deste ano. De janeiro a dezembro do ano anterior, tinham sido 25.130.
O Centro de Prevenção e Controle de Doenças da China (CCDC, 2024), apontou que, em 2024, foram notificados 32,38 mil casos e 13 óbitos por coqueluche lá, até fevereiro. Há ainda um surto da doença na Bolívia. O avanço de coqueluche ocorreu pelo mundo após um período de atividade muito baixa da doença durante a pandemia de Covid-19.
No Brasil, o último pico epidêmico de coqueluche foi em 2014 quando foram confirmados 8.614 casos. De 2015 a 2019, o número de casos confirmados caiu de 3.110 para 1.562. Entre 2019 e 2023, todos os Estados notificaram e confirmaram casos de coqueluche. Já com relação às mortes, em cinco anos, 2019 a 2023, foram registradas 12, sendo 11 em 2019 e uma em 2020.
Entenda a doença
Os sintomas da coqueluche costumam aparecer em três fases:
Fase catarral (1 a 2 semanas):
– Nariz escorrendo (Coriza)
– Febre baixa
– Espirros
– Tosse leve e ocasional com aumento gradual que segue a próxima fase
Fase paroxística (2 a 6 semanas):
– Tosse intensa e rápida, que pode durar vários minutos
– Tosse com um som característico de “guincho” ao final
– Vômitos após os episódios de tosse
– Fadiga extrema após os episódios de tosse
Fase de convalescença (semanas a meses):
– Redução gradual da tosse
– Episódios de tosse podem reaparecer com a instalação de outras infecções respiratórias
Tratamento:
Após a confirmação do diagnóstico com exames clínicos e laboratoriais, o tratamento é feito com antibióticos. Além de repouso, hidratação adequada e medicamentos para aliviar os sintomas. É indispensável manter o paciente isolado até o término do antibiótico para evitar a propagação da doença.
Transmissão:
A transmissão da coqueluche ocorre, principalmente, pelo contato direto do doente com uma pessoa não vacinada por meio de gotículas eliminadas por tosse, espirro ou até mesmo ao falar.
Esquema vacinal:
Três doses da tríplice bacteriana: aos dois, aos quatro e aos seis meses de idade. Depois, uma dose de reforço aos 15 meses e um segundo reforço aos quatro anos. Gestantes também devem receber a vacina a partir da 20ª semana de gestação para proteger o bebê
A vacina para adultos não está disponível pelo Sistema Único de Saúde, com exceção de gestantes e trabalhadores da saúde
O imunizante pode ser adquirido no serviço privado, por cerca de R$ 200, e a imunização dura de cinco a 10 anos.
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