Fonte: O Tempo – Foto: Fred Magno
A cada minuto, uma pessoa é diagnosticada com câncer ou tumor benigno em Minas. Em 2023, foram 80.856 diagnósticos fechados no Estado, onde 115 cidades têm como principal causa de morte o câncer. Em outras 47, a enfermidade divide a primeira colocação desse ranking com doenças cardiovasculares. O alto índice de acometimento da doença contrasta com a falta de infraestrutura na rede de saúde pública local. Para atender 853 municípios, há 40 unidades credenciadas para atendimento de alta complexidade na área, segundo o governo estadual. Faltam equipamentos básicos para diagnóstico, como tomógrafos e mamógrafos. Vazios assistenciais que afetam sobretudo quem vive fora dos grandes centros.
Os dados são da pesquisa Câncer Brasil, feita pelo Instituto Lado a Lado pela Vida com números do Instituto Nacional do Câncer (INCA), e do Ministério da Saúde. O levantamento mostra que nem todos os locais credenciados têm a estrutura necessária de atendimento. O estudo conclui que faltam 60 tomógrafos, 31 equipamentos de ressonância, 101 mamógrafos, 126 tomografias por emissão de pósitrons (PET-CT), que identificam câncer em todas as partes do corpo, e gama câmara CT, um dispositivo que detecta radiação e cria imagens que reconhecem metástase óssea e câncer de tireoide.
A falta de equipamentos se soma à baixa oferta de especialistas, como O TEMPO mostrou em reportagem nessa segunda-feira (12). O Estado tem o menor índice de profissionais credenciados no Conselho Regional de Medicina, ou seja, aptos para atuar, como mostra a pesquisa Demografia Médica no Brasil 2023. Minas tem 2,91 médicos a cada mil pessoas. Nas capitais brasileiras, essa média é de 6,13. No interior, passa a ser de 1,84 — três vezes menor.
O levantamento contabiliza 37 unidades de saúde habilitadas em oncologia em Minas — e não 40, como informado pelo Estado. Desse total apresentado pelo instituto, a pesquisa aponta que 21 têm hematologia, 29 têm radioterapia, nove têm oncologia pediátrica e nove fazem transplante de medula óssea, número insuficiente para atender a demanda. “Quando chega o paciente com suspeita de câncer ou necessidade de rastrear, a gente não vai ter equipamentos de imagem suficientes para fazer essa análise com detalhes. E aí fica comprometida toda a linha de cuidados do paciente”, avalia o oncologista Igor Morbeck, do Comitê Científico do Instituto Lado a Lado pela Vida.
O médico cita ainda que outro exame ideal para o diagnóstico e acompanhamento de pacientes oncológicos também é escasso no Estado. “PET scan é uma ferramenta de imagem fundamental para determinados tipos de câncer, principalmente de mama, de pulmão e os chamados ‘linfomas’. O Estado hoje não é exemplo de cuidado e assistência oncológica”, diz.
Em nota, a Secretaria de Estado da Saúde (SES-MG), afirma que o Estado faz a gestão dos recursos federais e define as regras de distribuição dos recursos de acordo com parâmetros dos municípios, cabendo a eles a gestão das filas de espera. A nota ressalta que só a macrorregião do Jequitinhonha não tem serviço de alta complexidade em oncologia — mas que a implementação na cidade está em discussão.
A SES-MG também afirma ter definido “a oncologia como área prioritária de planejamento para os próximos anos, com foco no fortalecimento das linhas de cuidado de câncer de mama, colo de útero e próstata, que são os tipos de câncer com maior mortalidade”. Além disso, “está sendo discutida proposta de aporte de recurso financeiro estadual para minimizar os déficits dos municípios mineiros”.
‘Paciente chega em fase avançada’
Nessa situação precária, há quem pague com a própria vida, como explica Marlene Oliveira, fundadora e presidente do Instituto Lado a Lado pela Vida. “O câncer hoje não é prioridade no país. Hoje o que a gente tem visto é que o paciente tem chegado ao sistema já em uma fase avançada da doença. E, quando ele chega já nessa fase avançada, fica muito mais complicado. Tem lugares em Minas em que a espera para fazer uma colonoscopia (que detecta câncer de intestino e colorretal), é de dois anos. Paciente com câncer tem urgência, não pode esperar”, ressalta Marlene.
Luiz Alberti, médico gastroenterologista, endoscopista e professor da Faculdade de Medicina da UFMG, acrescenta que a colonoscopia a partir dos 45 anos pode reduzir a incidência do câncer colorretal em 70%. Ele cita ainda que, na impossibilidade da colonoscopia, ao menos o exame de sangue oculto nas fezes deve ser feito. “É melhor do que não fazer nada”.
O presidente da Sociedade Brasileira de Patologia (SBP), Clóvis Klock, explica que a dificuldade de acesso a exames pode agravar o quadro. “A melhor e única chance de cura e tratamento para o câncer é o diagnóstico precoce, que permite uma intervenção menos agressiva. Com isso, o paciente tem uma chance real. Mas, para isso, precisa-se de uma rede estruturada localmente para os diagnósticos e o acompanhamento”.
Repasse para oncologia é inferior a 3%
O oncologista Igor Morbeck afirma que há uma série de gargalos no tratamento do câncer em Minas. Um deles esbarra no baixo repasse do Ministério da Saúde aos Estados. “O repasse anual é menor do que 3% em relação ao Orçamento da saúde (para todos os Estados). Nos países com boa assistência de saúde, está em torno de 6%”, diz.
Para o médico, o gargalo começa nos postos de saúde. “Grande parte dos casos de câncer está chegando a essas unidades (especializadas), de maneira avançada”. Para o médico patologista Clóvis Klock, outro gargalo é a desvalorização de profissionais importantes para a medicina diagnóstica. Procurado, o ministério não se posicionou sobre o tema.
Posicionamento da SES-MG
Questionada sobre os desafios para garantir o diagnóstico e atendimento da doença, a Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG), cita “a identificação de sinais e sintomas precocemente para encaminhamento, realização dos exames diagnósticos em tempo oportuno, defasagem da tabela do SUS, falta de profissionais em algumas regiões do estado e a necessidade de melhorias nos fluxos regulatórios”.
O Estado também garantiu disponibilizar atendimento desde a atenção primária e citou uma série de iniciativas desenvolvidas e investimentos feitos nos últimos anos. Veja, a seguir, o posicionamento na íntegra:
No Sistema Único de Saúde, o acesso é garantido à população com sinais e sintomas na atenção primária para que o processo de investigação diagnóstica seja iniciado o mais breve possível. Além disso, é essencial a referência para unidades secundárias para confirmação diagnóstica dos casos suspeitos identificados na atenção primária. A partir da alta suspeição de um caso e/ou confirmação diagnóstica, o paciente deve ser encaminhado imediatamente para serviços de saúde habilitados na Alta Complexidade em Oncologia (UNACON ou CACON).
Conforme a Portaria SAES/MS nº 688, de 28 de agosto de 2023, que dispõe sobre a habilitação de estabelecimentos de saúde na alta complexidade em oncologia, os hospitais habilitados como Unacon ou Cacon têm responsabilidade de proceder ao diagnóstico definitivo e à avaliação da extensão da neoplasia (estadiamento), iniciar o tratamento tempestivamente e assegurar a continuidade do atendimento, o pronto atendimento dos doentes e os cuidados paliativos, em articulação regulada com os demais componentes da Rede de Atenção à Saúde em que está inserido.
Em dezembro de 2018, foi publicada a Deliberação CIB-SUS/MG nº 2.854, que aprova a pactuação e reprogramação da Rede de Oncologia de Alta Complexidade no âmbito da Programação Pactuada e Integrada – PPI do Estado de Minas Gerais, para garantir o acesso da população com sinais e sintomas e a referência dos casos suspeitos identificados, para confirmação diagnóstica, nos serviços habilitados na Alta Complexidade em Oncologia. Esta Deliberação estabelece a carteira de Serviço de Apoio Diagnóstico e Terapêutico (SADT), para Oncologia, que visa garantir que os hospitais habilitados realizem o estadiamento, acompanhamento, seguimento e diagnóstico diferencial (alta suspeição), e definitivo do câncer, assegurando a realização de biópsias e exames necessários para confirmação de neoplasias malignas.
Posteriormente, foi publicada a Deliberação CIB-SUS/MG nº 2.990, de 20 de março de 2019, que aprovou o Protocolo Clínico de Alta Suspeição em Oncologia no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), do Estado de Minas Gerais, com o objetivo de auxiliar no encaminhamento dos usuários do SUS com suspeição, para confirmação diagnóstica de câncer nas (UNACON ou CACON).
Quanto ao diagnóstico precoce e o rastreamento, a execução dos procedimentos, consultas especializadas e exames com finalidade diagnóstica, ocorrem na atenção primária e atenção especializada por meio da disponibilidade da Programação Pactuada Integrada (PPI), que é um instrumento de planejamento, por meio do qual são definidas e quantificadas as ações de saúde para população residente em cada território, bem como efetuados os pactos intergestores para garantia de acesso da população aos serviços de saúde.
A PPI contribui para dar transparência aos fluxos estabelecidos e definir, a partir de critérios e parâmetros pactuados, os limites financeiros destinados à assistência da população própria e das referências recebidas de outros municípios, cabendo ao gestor o remanejamento pertinente, conforme as especificidades locais.
A SES-MG também publicou a Deliberação CIB-SUS/MG Nº 3.277, de 10 de dezembro de 2020, que estabelece as regras para instituição das comissões de oncologia nos municípios que possuem hospitais habilitados no SUS como Unacon ou Cacon para melhorar os fluxos regulatórios municipais frente ao acesso dos pacientes oncológicos.
Além disso, também foi publicada a Deliberação CIB-SUS/MG Nº 3.524, de 22 de setembro de 2021, que instituiu os Comitês Gestores Regionais da Oncologia, no âmbito do Estado de Minas Gerais, e aprova seu Regimento Interno. Esses Comitês são espaços formais de coordenação, monitoramento, avaliação e proposição de melhorias da Rede de Atenção Oncológica no território, em consonância com as Regulamentações Estaduais e as diretrizes das Redes de Atenção à Saúde.
Em 25 de julho de 2023, foi publicada a Deliberação CIB-SUS/MG nº 4.285, que aprova as regras de financiamento do projeto provisório destinado à aquisição de mamógrafos, para fortalecimento das ações assistenciais de saúde do estado de Minas Gerais. Os objetivos do projeto provisório são a substituição de equipamentos obsoletos identificados pelo Programa Estadual de Controle de Qualidade em Mamografia (PECQMama), bem como a aquisição dos equipamentos, por parte de beneficiários que fazem parte da política estadual dos Centros Estaduais de Atenção Especializada, da política de ampliação da média complexidade ambulatorial ou são habilitados como serviços de alta complexidade em oncologia.
No projeto, foram contemplados 62 beneficiários elegíveis. Vale esclarecer que não foi uma doação direta dos equipamentos e os beneficiários contemplados têm prazo de até 24 meses para a compra, instalação e efetivo funcionamento dos equipamentos após depósito do recurso. O valor repassado para aquisição de cada mamógrafo foi de R$ 1.203.313,00 e foi estabelecido conforme tabela disponibilizada na Relação Nacional de Equipamentos e Materiais Permanentes financiáveis pelo SUS em 2023.
No âmbito federal, o Programa Mais Acesso a Especialistas – PMAE, instituído por meio da Portaria GM/MS nº3.492, de 8 de abril de 2024, tem como objetivo ampliar e qualificar o cuidado e o acesso a consultas especializadas, exames e procedimentos terapêuticos da atenção ambulatorial especializada, para contribuir com a redução de iniquidades. Associado a isso, o Programa tem por finalidade promover a integração dos serviços com a APS, com vistas à garantia da continuidade e integralidade do cuidado, com foco na pessoa e sua jornada nos serviços de saúde.
No âmbito da Oncologia, o PMAE visa garantir diagnóstico precoce e acesso ao serviço especializado em tempo oportuno, contribuindo para a melhoria da sobrevida e qualidade de vida da população com diagnóstico de câncer.
Discussão sobre isso post