Fonte: O Globo – Foto: Rede Social
Quando falamos de esporte de alto rendimento, as relações de poder são a raiz de todas as violências interpessoais que acontecem, desde a psicológica e física até a sexual.
Acabamos aceitando que para chegar no alto rendimento de forma competitiva, como nos Jogos Olímpicos, somos obrigados a tolerar, além de toda dor física e a estafa mental pelo treinamento em si, outros comportamentos intoleráveis.
Essa confusão nos leva a normalizar comportamentos abusivos. Pesquisas como a que fiz no Brasil, que medem a prevalência de violência no esporte — incluindo violência física e sexual —, mostram uma incidência muito grande do treinador perpetuando essas violências sob o atleta. Isso é real no esporte brasileiro e no mundial.
Por essa razão, quem tem poder para tomar decisões precisa estar sempre atento. Conselhos de Ética e órgãos de integridade precisam se atentar de que existe uma hierarquia de poder muito específica no esporte que faz com que as pessoas que estão na base da pirâmide — os atletas, principalmente as mulheres— se sintam pouco confortáveis para falar sobre violações sofridas.
O caso da nadadora Ana Carolina Vieira é um retrato. A forma como a história estourou é mais um exemplo de como essas hierarquias de poder se comportam. As pessoas tomaram o lado da instituição, tomando conclusões em relação a Ana, de quem ela é e seu nível de profissionalismo.
Não vi um mínimo de cuidado em preservar as pessoas envolvidas. Ainda que o processo conclua que ela errou, que regras foram violadas, existe uma obrigação ética e moral de proteger todos os envolvidos no processo.
Isso acontece porque as instituições esportivas sempre se protegem.
Se algum escândalo vai, de alguma forma, ferir a reputação do esporte, ele vai se defender. É histórico: aconteceu com as denúncias de assédio sexual na USA Gymnastics, por exemplo, e no meu próprio caso. O esporte defende sua reputação acima da obrigação que tem de proteger os participantes.
Se não fizermos uma reflexão sobre as relações de poder no esporte e como se comportam, qualquer intenção por parte da instituição esportiva para promover esporte seguro vai ser insuficiente, porque ela não está olhando para o cerne da questão.
Se garimparmos como tudo está sendo interpretado pelo público, de um modo geral estão tirando conclusões a partir de situações do passado. Quando um caso de assédio é mencionado, as pessoas já voltam para aquele padrão de questionar: “será que foi verdade mesmo?”. E é isso que me incomoda.
Mas a verdade é que não sabemos o que aconteceu exatamente. Temos apenas stories da Ana contando a percepção dela do fato e uma nota oficial de quem estava em Paris. A partir daí, as pessoas tiram mil e uma conclusões.
De minha parte, espero que a Ana receba o suporte que ela precisa para enfrentar o que vai acontecer daqui para frente.
Historicamente, a natação brasileira já teve episódios de não cumprimento de regras, como a de não sair e não ingerir bebida alcoólica, e ninguém foi expulso de competição.
A ex-nadadora, que tem quatro Olimpíadas no currículo, é a terceira de uma série de mulheres olímpicas convidadas pelo GLOBO a serem colunistas nos Jogos de Paris.
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